domingo, 6 de março de 2011

Mataram a Piscininha

De há muito não passava pela Praia de Iracema. Ontem foi o dia de revê-la. Que tristeza, que saudades. Doeu fundo no peito ver quão desolada e abandonada está a Praia de Iracema. Tudo quebrado, casa de fantasmas.

E o grande Estoril? Nem perguntem. Tempos gloriosos viveu o Estoril. Local maior da boemia, das noites, dos papos intermináveis, do bem viver a noite. Era a vida da Praia de Iracema, o suspiro dos que, em Fortaleza, pensavam. Pouco restou, nem mesmo janelas e portas. Tudo ao relento do nada.

Mas, o que mais doeu, foi passar por onde antes existia a Piscininha. Os olhos ficaram molhados, muito molhados. As recordações borbulhavam na cabeça. Filmes e mais filmes vinham à mente, todos gerando profunda saudade dos tempos de menino barrigudo, de calças curtas e de algumas peraltices.

Nunca fui menino de viver na rua. A minha maior aventura foi, nesse tempo, ir tomar banho e brincar na Piscininha. E era uma aventura e tanto. Todo dia, depois da escola matinal, almoço e correria por mais de quilômetro para me jogar na Piscininha. Menino besta, de idade pequena mas, a Piscinhinha era a festa maior, em tudo brotava alegria e prazer.

Não era feroz como a praia que amedrontava até aos nadadores, muito mais ainda a quem nunca tinha aprendido a nadar. Tinha pedras que serviam de trampolim para pular na água, que às vezes me chegava ao ombro, de tão pequeno que era. Tinha o ir e vir da água em suas beiradas, que lembrava as ondas da praia, de vez até chegavam a formar ondas. Era muito gostoso ficar sentado na 'praia' da Piscininha, deixar as pequenas ondas bater nas costas e ir-se novamente. Naturalmente, que na praia as ondas eram mais emocionantes, mas metiam medo a quem não sabia nadar.

Todo dia estava eu lá na Piscinha. Muita emoção e alegria. Lá eu esquecia tudo de ruim, só pensava no prazer que tinha em brincar na Piscininha. Eu ganhava uma tranqüilidade enorme. E isso me fortalecia e me enchia de forças para encarar as dificuldades, porque no outro dia eu sabia que a Piscininha iria me contentar novamente.

Mas, um dia foram enredar lá em casa. Descobriram onde eu ficava todas as tardes: a mais de quilômetro de casa, na Piscininha. Uma pisa de 'fio elétrico' que me deixou os couros a arder por quase uma semana e a proibição, sob pena de mais uma sova com o maldito fio, caso voltasse à Piscininha. Por que? Não havia nada demais, era só brincar na água e a Piscininha nunca encheu mais do que alcançar o meu pescoço. Nunca entendi o por quê.

Me tiraram o único brinquedo que tinha. Mas, nunca me esqueci da Piscininha. Assim que aprumei a espinha, voltava lá com muita frequência e ficava horas sentado, vendo o ir e vir da água, lembrando os tempos bons. Também, cismando e na esperança de que, como outrora, a Piscininha me enchesse de forças para encarar as dificuldades do hoje.

Agora, ela se foi e, como a minha infância, não voltará. Está tudo debaixo de sete palmos.

Acelino Pontes

Nota: A Piscininha era um reduto da Praia de Iracema (em Fortaleza), que foi tomada por quebra-mar de pedras, que deixava vazar parte da água do mar (na maré alta) e formava uma pequena lagoinha que a população chamava de Piscininha.

4 comentários:

  1. Acelino, este é provavelmente o primeito texto com alto teor passional que leio vindo de você. Eu também aproveitei daquela água aos cinco ou quatro anos, com minha finada avó, meu pai, minha irmã que hoje saiu de casa.
    Minha família está quebrada e é óbvio que não é a única coisa quebrada por aqui.
    Sinto por você, Acelino, e por todos os que, como eu, gostavam daquele lugar.

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  2. Pois é, Yure, a perda é para todos nós. Aos poucos as coisas e visuais vão desaparecendo. É a modernização impiedosa que só se presta para gerar mais e mais saudades do que era e que não volta mais.

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  3. Até me deu vontade de chorar, mesmo sem conhecer e sem ter vividos estas experiencias lindas... Meu querido este cenário lindo está desaparecendo para da lugar as DORGAS , A VIOLENCIA, A PROSTITUIÇÃO ETC. Hoje nossos filhos nao tem esta liberdade, pois o medo nos apavora, precisamos mante-los presos sobre forte grades de segurança, enquanto os marginais desfrutam e destroem de toda beleza da qual nos é negado para esta geração! Parabéns por ter histórias lindas pra contar pra teus filhos e netos,enquanto pra te foi realidade, pra eles não passas sonhos, sonhos, sonhos bjsss

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  4. Marlene,

    histórias lindas tem cada um de nós a contar. Precisamos coloca-las no papel ou nos ouvidos dos que nos seguem, para que elas se perpetuem e possam mostrar sempre que devemos preservar, o que há de bom nas nossas cidades e comunidades, como patrimônio de todos, em todos os tempos.

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